sábado, 15 de setembro de 2007

Sobre arrependimentos

(em clima introspectivo)

Não deveria ter falado aquelas coisas. Deveria ter calado, remoído incessantemente até a falência do rúmen. Sentia-se arrependida. Um paradoxo. Afinal, começava a perceber que o arrependimento costumava ser-lhe positivo, uma ferramenta que restaurava sua conduta íntegra. Falava algo a mais. Arrependia-se. Temia perder a pessoa querida a quem tinha proferido aquele excesso desnecessário de palavras. Percebia, num encantar-se teatral, o quanto gostava dessa pessoa. O quanto queria ela perto. Compunha-se, então, em efeito compensatório, na mais carinhosa das criaturas. E era capaz de sentir-se finalmente satisfeita. É. Agora sabia. Queria estar com ele. Sentia a falta dele.
Pensava naquilo, mexendo o cabelo para lá e para cá, olhando para os carros que passavam na rua e não os vendo, aspirando o cheiro do ar que prevê chuva e não sentindo. Descobria a si mesma naquela escadaria.
Se era mesmo verdade que o arrependimento, no fim, tinha um efeito positivo sobre ela, isso era apenas momentaneamente bom. Momentaneamente e ainda de forma egoísta. Porque, a longo prazo, quantas vezes machucaria alguém para se arrepender frente a seus “ai”s? E teve medo. Medo de ser uma cretina.
Parou o mundo, voltou no tempo. Tentou lembrar, vez a vez, situações que a comprometessem. Buscou o acusador e o defensor. Abria o inquérito e aguardava o julgamento.
Sentiu-se um pouco Franz Kafka com suas inquietações e pensou que esse era o mal de quem pensa demais. Tentando se distrair, deu tickets de cinema para sua membrana seletiva a pensamentos e deixou que qualquer um entrasse. Todos os pensamentos teriam os mesmo direitos de invadir o seu salão. Igualdade, liberdade, fraternidade. Depois pensou em malabares com fogo.
E cansou.
(Porque pensar cansa.)

E não houve conclusão.
(Porque às vezes não há)