sábado, 2 de agosto de 2008

Aquele da Lituânia


Falavam da saudade, da vontade de se encontrarem e do primeiro hoje-não-tem-como da semana. Então ela, sorrindo, lembrou do filme na noite anterior e disse, colada ao telefone: - Nós sempre teremos Paris.

Mas ele não queria Paris. Não, não, Paris deveria ser ótima, mas, ele sabia, já quiseram levá-la a Paris. Então não servia. Tinha de ser um lugar só deles. Só deles.

...

É sempre assim que ela explica, acentuando as pregas de expressão talhadas pelos muitos sorrisos (todos aqueles anos ao lado dele)... Sempre assim que ela explica, às visitas curiosas, a presença daqueles postais atípicos guardados na caixinha da mesa central da sala. “Vilnius – Lietuva”, vinha escrito no verso, em lituano. E, segurando um deles nas mãos, ela acostumou-se a ler,em voz alta, o P.S.: “Porque este lugar é só nosso”.

Da Súbita Compreensão

Estava ele a ler umas histórias do Caio, sentindo-se um cara meio mulherzinha. Lendo histórias do Caio e com uma panela no fogo: é, baita mulherzinha. Pensava nela, que recém havia saído de casa, desligado o telefone, depois de mais uma conversa sobre o medo que sentiam do futuro tantas vezes negro. Lia uma linha quando aconteceu. Aconteceu uma lâmpada piscante sobre sua cabeça, bem estereotipada. Compreendeu, subitamente, que o problema maior dos dois era aquele apego exagerado às antigas dificuldades dos relacionamentos que àquele precediam. E, exaustos de tanto tentarem dar certo com tantas pessoas e de tanta chateação (seriam os dois assim, rancorosos?), cobravam-se demais, tinham medos demais – e acabariam com rugas a mais, amor errado a mais, se assim continuassem. Depositavam suas sacolas de expectativas um sobre os ombros do outro, e eram tão pesadas e tantas (“o amor de verdade deve superar os outros na intensidade e sublimar os erros prévios” ), que uns ouvidos andavam doendo e uns músculos cervicais andavam insuportavelmente tensos.

Da Escada

Era mesmo curioso que, já no primeiro dia juntos (ou na décima sétima hora desde que se encontraram no dia do primeiro beijo), ao descer as escadas do prédio dela, ele com aquela cara de sono de quem ouviu o DVD do Abba rodar mais de dez vezes durante a madrugada... Ao descer as escadas do prédio dela, antes mesmo que ele pisasse em falso, ela ordenara, rápida: - Tira as mãos dos bolsos. E ele, nem tão rapidamente, mas firmemente decidido, fez o que ela pedira, confuso, sem compreender. Então, depois da descida silenciosa, os pés ganhando plenamente o último e definitivo chão... Então ela disse, sem olhar para ele, séria: - Agora pode colocar de volta, se quiser.

Porque, frente a uma escada, ela aprendera a associar vertigens, corpos tombando e escoriações (que só saravam com casamento, porque beijinho virara paliativo há anos). E era preciso prevenir-se, ter as mãos livres para evitar a queda.

Um verdadeiro presságio aquele episódio. Porque,semanas depois, o temor da queda tornou-se tanto, que vinha transformando cada degrau num parto. Empacados no degrau, olhavam-se, discutiam. “Será que vai dar certo?”.

“Vamos devagar”, ela disse. Porque meter pés por mãos é perigoso, tanto mais em escadas.