sexta-feira, 11 de março de 2016

Li na calçada: "QUEM NÃO DEIXA O QUE NÃO BASTA, NÃO DESCOBRE O QUE LHE FALTA". Então deixei tudo.

Estava embebida na vida que pensaram para mim, que pensei para mim, que deveria ser. Daí derrubar molho na toalha de mesa era o-que-vamos-fazer-agora-meu-deus. Essa vida que só olha a toalha, os fios da toalha, meu deus o molho na toalha. Essa vida de cuidar o ponto do bolo para não passar do ponto do bolo, vai que abatume vai que fica muito doce vai que fique azedo vai que fique seco. Quis. Afinal foram tantas histórias interrompidas que até peguei essa mania, e meti pés por mãos por pés por cabeça por joelho por ombro – você mesmo diz que enfio mil ossos na frente – e tudo fora das férias e tropeçando nos dias e nas tarefas, que resolvi gostar de quem gostasse de mim e me propiciasse um passo lento, um conforto, um esconde-esconde sem susto nem ferrolho. 

Apareceu a oportunidade, abracei, meio desconfiada, mas depois fundo, bem fundo, me esforcei, me disciplinei, me catequizei – de repente era tudo que eu precisava, então isso era ser feliz com alguém, era isso que se poderia exigir e querer. Claro que volta e meia esbarrava na vontade de esticar depois do cinema, fugir junto, correr no mato, tudo que se frustrava diante do carro que não pode ir na grama alta nem pode ser estacionado na rua nem muito menos molhado por biquini que saiu da piscina; no dia inadequado de esticar o cinema porque tem que voltar pra casa cedo porque tem que acordar cedo porque é sempre cedo ou tarde pra tudo que não foi programado com semanas de antecedência; ou então esbarrava nas minhas gargalhadas sem sentido  que só podiam significar que bebi muito café ou que está na hora de eu dormir. Agora me espanto como posso ter sido tão simplista, minimalista, conformista, mas é bom, sabe, significa que quando tudo for muito escuro, vou saber viver ali, naquele cantinho, fazendo fotossíntese com luz indireta.

Mas daí você. Daí você chegou dizendo que o mundo era mais que uma toalha suja de molho. Trouxe de volta minha lucidez-sensatez de que é só lavar a toalha ou jogar fora, de que a cama pode sujar, de que existe algo lá adiante, de que  o sal pode ser "setembro".  Que não precisa comer tudo se não quiser, pode comer somente a cereja (você diz) mesmo sem estar de férias (digo eu).  Tomar uns goles grandes de vida (você diz). Algo a ver com reconhecimento (digo eu). Lembrou de quem eu era antes deste cenho franzido que fui adquirindo. Lembrou, lembrei, sorri. Parecia que tudo poderia ser tão creme de ricota (light). Pois é.

Mas e daí será que conseguiríamos manter tudo leve? 

Imergimos em um sem-nome de passo próprio, um trem sem maquinista (sei ser clichê). Impossível antever a próxima estação. Impossível frear.  Somente seguir, comendo somente a cereja (é, gosto dessa sua frase, que não é sua), aproveitando o parêntese de vida no meio de tanta maquinaria, até a próxima imprevisível estação.

Onde você acaba, onde eu acabo, onde tudo acaba – não sei dizer. Mesmo desprevenida na curva para a direita sob a luz de um sol que esmorecia na Rua Santa Terezinha eu não saberia dizer. O que sei e afirmo e me firmo nessa estaca é que você me traz a lucidez, a clareza, a nitidez, a distinção e todos os sinônimos disto que é enxergar de repente o que é importante nessa vida, e a visão repentina arrebata até a mais cética das pessoas. Um fulgor que arde os olhos e encanta e faz o peito agitar. Talvez eu tenha ficado louca de lucidez (louca e lúcida?), mas é assim que entendo teu significado. E não sei da próxima estação porque não sei quanto tempo nessa vida a gente aguenta viver de lucidez e leveza. É também por isso que volta e meia trago embaixo do braço três ou quatro tijolos, que você pacientemente recusa.