sábado, 5 de junho de 2010

Tudo pode dar certo


Quando procurei o lápis de olho marrom para realçar meus olhos cor de sei lá o quê, mas sem chamar muito atenção, porém não achei já que nesses dias de crise nada está no lugar, nem lápis de olho nem pensamentos, e tive de escolher o preto que me exagera um pouco, para então dar uma última olhada no espelho, descer as escadas, atravessar a rua na chuva, pegar um táxi e te encontrar... Quando tudo isso aconteceu e descobrimos que sou mais perdida que cego em tiroteio (“Desculpe o chiclê, Boris”) e que enfim o filme programado não estava lá, e então escolhemos outro que deu mais certo que o esperado e me deixou pensativa, e depois pudemos conversar por algumas horas. O que quero dizer é que desde o lápis de olho eu sabia que não seria aquela a te dar o beijo previsível ao chegar em casa. Não seria aquela a cumprir protocolos, estou farta do convencional supérfluo. Estou farta de pseudoromances e de amores da minha vida ao segundo encontro. O que não pode mais ser é atropelar tudo por uma idealização e descobrir que o objeto dessa idealização é nada mais que preguiçoso, malvado, desleal, desrespeitoso, depois de toda a entrega. Dormir e acordar casada, com filhos, gorda e cheia de estrias, e agora você com essa, desleal, sem respeito, malvado, preguiçoso. Não sou intensa, já falei isso. Não gosto de quem vive intensamente porque grande parte das vezes significa empurrar tudo para baixo do tapete e sair exagerando por aí sem pensar, para se sentir vivo, mas isso é porque se é morto por dentro. Quem não é morto por dentro não precisa desses artifícios atordoados. Não precisa correr para preencher vazio nenhum pois não há vazio algum. E desde que eu estava em casa procurando meu lápis marrom eu já sabia que não preencheria o protocolo. Até o amor virou programático-performático, e eu já não quero mais. Até o amor é repleto de efeitos especiais, sangue e gritaria como nos filmes de ação, e é também nos filmes de ação que quando alguém morre os outros personagens choram no máximo uns segundos e esquecem o morto por completo. E eu já não quero mais. Meu tempo é arrastado, mas saboroso. Não há nada de morno nisso. Há quem não aprecie os extensos prelúdios, eu sei. Mas há vezes em que o prelúdio era tudo.