terça-feira, 7 de setembro de 2010

Admissibilidades



Conforme exordial acusatória,
- Primeiro Fato: das Pantufas.


Sorria desgrenhada com dor de cabeça e a barba por fazer – na verdade não tenho barba. Minha cara de sono, a barriga grunhindo as 4 horas passadas desde o primeiro “vamos levantar”. Sentei-me na cama apertando os olhos sem óculos tentando focar teu corpo que levantara e agora estava procurando um casaco. Parecia fazer frio. Desconhecíamos o sol lá fora, trancafiadas a sete (duas) chaves no apartamento, giradas uma vez cada na noite anterior. Colocavas o casaco, não, um blusão ou uma básica cheia de bolinhas que mais tarde fiquei arrancando da tua roupa no sofá, e foi quando olhei teus pés, apertando os olhos, e tu calçavas minhas pantufas. Tu não entenderias, mas isso fazia de ti fatalmente imbricada no que é meu, mais que o resto de ti que ainda se faz presente nas mãos que tanto te alisaram e que tanto me esmerei em não lavar direito pra te guardar um pouco mais. Estavas ali, calçando minhas pantufas, me ouvindo confusa, suada, tendo pesadelos; histérica com a sujeira da casa. Estavas ali achando tudo engraçado e me contando sobre as tuas galinhas, a capoeira, as flexões, tua lista de romances aleatórios. Com os pés nas minhas pantufas, não parecias te importar com coisa alguma, nem com o barulho dos aviões que eu estranhara antes, nem com meu pijama nada atraente, e então eu podia admirar as efélides sobre tua tez branquinha enquanto o sol das duas da tarde já entrava pela janela.