domingo, 20 de fevereiro de 2011

Abortar.



Do latim, "ab" (não) "ortus" (nascimento). Não-nascimento.

Você foi um aborto incompleto espontâneo. Poderia me sentir culpada pela tragédia, mas estou certa de que não bebi, não fumei, estava ali comento chocolate e tendo náusea como toda a grávida saudável, acarinhando a próprio abdome gravídico com amor. Tracei o desenho dos lábios e o ângulo perfeito da curvatura dos cílios da vida que eu nutria, imaginei as cócegas que seus risos fariam aos meus ouvidos, tricotei incontáveis pares de sapatinhos para seus pezinhos minúsculos. Até começar a sangrar.
No começo era um líquido rosado, depois era tanto sangue que, aterrorizada, não quis sequer olhar para o chão que atrás de mim era deixado a cada passo desesperado que dei até minha bolsa, meu celular, até a porta de saída. O que escorria pelas pernas sem compressa nenhuma segurar, e corri para o hospital preocupada, mas sem querer saber de nada. Besuntada de gel na barriga como tantas outras vezes, porém agora sem estampar sorriso algum, e o obstetra com voz grave e tom solene fez minha garganta trancar. Não era mais possível ignorar o chão que deixava para trás, a evidência se fez e na minha vertigem tudo era coberto de sangue.
De volta para a casa, chorei agachada na banheira como em todas as minhas pequenas tragédias, e desde então minha vida tem sido eliminar restos placentários.

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