sábado, 18 de agosto de 2007

(sem título)

(escrito em julho de 2006)

- Oi, tudo bem?
- Não vou responder.
Foi com uma rapidez embasbacante que os cantos da boca de Márcio – os quais até então apontavam para cima, aprumando as bochechas na mesma direção - esparramaram-se para os lados e para baixo, e, numa conjuntura expressiva de olhos, sobrancelhas, boca e mais uns musculozinhos faciais cujos nomes não importam, o rosto virou interrogativo-exclamativo. Travou no chão o pé esquerdo que, concomitantemente a tudo isso, subia no ar de modo a não desengatar o ritmo a que vinha andando desde ladeira abaixo até o momento em que Márcio cumprimentou Malvina na frente da praça 7 de Setembro, às 14 horas e 32 minutos, dia de sol. E o par de pés fez um giro, o tronco desajeitado do homem acompanhou e, em seguida, voltou-se para a conhecida:
- Como é que é?
Malvina continuava parada na calçada, desde os milésimos de segundos atrás em que sua resposta inusitada tomara conta do Centro da cidade. Com um ar de sabe-tudo, deu continuidade ao diálogo:
- Você não quer saber se estou bem de verdade. Faz isso por costume ou educação. Se é que é possível chamar de educação o ato de perguntar algo que não se quer saber a alguém que a gente pouco conhece! Aliás, ainda que muito conhecesse: “vou bem” não é a resposta unânime e invariável?
Malvina fez uma pausa para observar o espanto de Márcio. Encarava-o, apertando bem os lábios para não desatar a rir, enquanto Márcio permanecia com a mesma expressão com a qual o deixamos. É. Talvez as sobrancelhas tenham envergado um pouco mais, e duas ou três rugas tenham aparecido em sua testa.
Era com muito prazer que Malvina descobria a estranheza alheia às suas idéias, pois despertá-la era seu mais cotado hobby. Satisfeitíssima por ter atingido seus objetivos até então – era o que a reação de Márcio lhe mostrava -, prosseguiu:
- Então... Não é uma pergunta inútil? Pois que a resposta já se sabe de antemão e, pior, também se sabe que o mais provável é que não seja verdadeira? Ou o senhor acha que todas as pessoas a quem hoje fez essa pergunta estavam bem de verdade?
Márcio pigarreou – coisa que não muda em nada a história. Malvina mudava agora o tom de voz. Para o leitor, nenhuma das duas coisas faz diferença; então me escuso a respeito do relato inútil e volto ao que falava Malvina.
- Quase um descargo de consciência, essa pergunta. Um absurdo! Mas... Seu Márcio... Porque sou solidária e respeito as necessidades humanas de manter em prática esse costume sem sentido algum, respondo ao que você me perguntou: estou bem.
Dádiva celeste! A paz e a harmonia preencheram a alma de Márcio para todo o sempre. O discurso de Malvina era imprestável para ele: tudo o que aquele senhor queria ouvir era o rotineiro “vou bem” ou quaisquer de suas expressões sinônimas. Porque Márcio era homem de costumes, não de reflexões.

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